O meu olhar

     O meu olhar é nítido como um girassol.
     Tenho o costume de andar pelas estradas
     Olhando para a direita e para a esquerda,
     E de, vez em quando olhando para trás…
     E o que vejo a cada momento
     É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
     E eu sei dar por isso muito bem…
     Sei ter o pasmo essencial
     Que tem uma criança se, ao nascer,
     Reparasse que nascera deveras…
     Sinto-me nascido a cada momento
     Para a eterna novidade do Mundo…

     Creio no mundo como num malmequer,
     Porque o vejo.  Mas não penso nele
     Porque pensar é não compreender …

     O Mundo não se fez para pensarmos nele
     (Pensar é estar doente dos olhos)                  
     Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

     Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
     Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
     Mas porque a amo, e amo-a por isso,
     Porque quem ama nunca sabe o que ama
     Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
     Amar é a eterna inocência,
     E a única inocência não pensar…

                                                                Alberto Caeiro

Tdas…

Todas as Cartas de Amor são Ridículas  

       Todas as cartas de amor são
       Ridículas.
       Não seriam cartas de amor se não fossem
       Ridículas.

       Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
       Como as outras,
       Ridículas.

       As cartas de amor, se há amor, 
       Têm de ser
       Ridículas.

       Mas, afinal,
       Só as criaturas que nunca escreveram 
       Cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.

       Quem me dera no tempo em que escrevia 
       Sem dar por isso
       Cartas de amor
       Ridículas.

       A verdade é que hoje 
       As minhas memórias 
       Dessas cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.

       (Todas as palavras esdrúxulas,
       Como os sentimentos esdrúxulos,
       São naturalmente
       Ridículas.)

                                      Álvaro de Campos